A gestão na pandemia

27/08/2021 19:31

Em um cargo de gestão, diversas responsabilidades de caráter decisório precisam ser assumidas. Como isso se sucedeu em um momento tão atípico como a pandemia e em um espaço público como o da universidade?

Convidamos o professor doutor Antonio Alberto Brunetta, diretor do Centro de Ciências da Educação (CED) da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) desde 2017 — com mandato até setembro deste ano —, a compartilhar suas experiências no cargo e as peculiaridades do trabalho remoto na UFSC. Além de ocupar atualmente esse cargo de gestão, Brunetta também é professor adjunto no Departamento de Metodologia de Ensino do CED, onde atua nas disciplinas de Metodologia de Ensino e de Estágio Supervisionado em Ciências Sociais.

A versão completa dessa entrevista pode ser ouvida e vista em nossa plataforma de vídeo e podcast.

Entrevista por Marcelo Borges*
Edição Barbara Popadiuk

Qual tarefa de enfrentamento da pandemia ficou a cargo dos gestores de ensino superior?

O cenário geral é de uma sobrecarga de atividades, já que tivemos de lidar de maneira nova com problemas antigos. Justamente essa forma de lidar com problemas velhos já é um desgaste a mais, sem contar os problemas que foram acrescidos pela pandemia. Entre as tarefas do gestor, no que tange a esses problemas antigos, todos eles permaneceram. Afinal de contas, e isso é um fato, a universidade não parou: livros foram publicados, artigos foram produzidos, pesquisas continuaram, reuniões aconteceram, as atividades administrativas e burocráticas, as compras foram feitas, tudo isso continuou sendo feito e foi tarefa do gestor zelar pela continuidade daquilo que já se fazia.

Com relação ao novo, a universidade precisou repensar toda sua organização e precisou repensar todo o seu modo de existir, desde a realização de reuniões online, desde a frequência ao espaço físico, o direcionamento de suas pesquisas para o atendimento de temáticas relacionadas à pandemia. Porque a universidade também tem essa característica, ela se envolve diretamente com todos os problemas sociais, políticos, econômicos e de saúde pública. Desde preparar seus laboratórios para produzir faceshields, ou para produzir álcool em gel, até pra pensar a radicalização da exclusão social sobre grupos vulneráveis nesse contexto.

Você se viu em algum momento tendo que mediar, encaminhar coisas que você não fazia antes?

A gente foi se desenhando na pandemia. Então, passadas algumas semanas, a gente se deu conta de que não podia ficar parado. Objetivamente, o que parou [inicialmente] foi o ensino, e as outras atividades prosseguiram. A gente teve que lançar mão de algumas iniciativas a fim de organizar as relações dentro da universidade para que as coisas pudessem funcionar a distância, como, por exemplo, disponibilizar equipamentos, licitar pacotes de internet, ou prover em forma de edital apoio financeiro para que os estudantes tivessem isso.

Tivemos que cuidar de rotinas sobre limpeza, por exemplo. Passado quase um mês [do início da pandemia] é que a gente se deu conta de que os espaços precisavam de faxina. Mas não foram só essas as aflições, percebemos que os impactos econômicos da pandemia sobre os estudantes produziram uma série de fragilidades emocionais. Além de algumas dificuldades financeiras, objetivamente foi preciso uma mobilização da comunidade.

Eu preciso deixar claro que, por vezes, um bom gestor é aquele que não atrapalha e que está disposto a ajudar.

Porque a gente ocupa uma função às vezes tão burocrática que não acompanhamos as demandas no interior dos cursos, dos departamentos, a gente segue uma realidade com muitos professores e estudantes e a gente não alcança o todo. Para a minha rotina pessoalmente, eu que me entendo como esse gestor que tem abertura e contato com todo mundo, senti minha rotina bastante sobrecarregada. Coisas que são aparentemente simples são profundamente complicadas, e como a gente está lidando com a coisa pública, tem que se ter um grande cuidado com elas.

Então, essas novas rotinas nos consumiram. Evidentemente que talvez o maior desgaste de todos tenha sido a aprovação da resolução 140, em que eu atuei como presidente da comissão que deu o parecer no Conselho Universitário para regulamentar as atividades de ensino remoto. Porque são muitos aspectos, é muito detalhado e diverso esse cenário de ensino, o que você faz com provas, com notas, com bancas, processos seletivos, como vai ficar a frequência, quem viajou e está morando em outro estado…

Você não acha que ser gestor numa instituição como a universidade pública, comparada com outros espaços, deu a você uma certa tranquilidade nas tomadas de decisão ao longo de 2020? Isso lhe deu mais ou menos segurança ?

Acho que estar em uma instituição pública de ensino, e na carreira como servidor público, dá o primeiro passo em termos de segurança. Diferente de outras instituições que vivenciaram demissões em massa, a gente teve o nosso trabalho garantido. Tivemos condições de planejar com calma, sem ter o nosso emprego ameaçado, e fazer valer um processo educacional, que, avaliado em termos numéricos, foi muito positivo. 

Nós ampliamos a possibilidade de alunos frequentarem disciplinas, aumentamos a possibilidade de se matricularem em outras disciplinas, eventualmente em outros cursos que estivessem fazendo. E para aqueles que tinham menos recursos, a universidade disponibilizou mais de 1500 equipamentos para que essas pessoas tivessem acesso. Não só equipamentos, mas disponibilizou um suporte financeiro para que elas contratassem serviços de internet. Em segundo lugar, acho que tomar as decisões coletivamente também nos dá segurança à medida que, em uma decisão tomada coletivamente, o importante não é só o resultado dessa decisão, foram os consensos que foram construídos ao longo da discussão que levaram a ela. 

Toda esfera política de debate tem espaço de profundo aprendizado, porque o rito, o protocolo de fazer essa discussão permite que as pessoas se ouçam. Todos nós temos a oportunidade de ouvir e aprender, além de sabermos que, daquela instância, quando bem respeitada e ouvida, um encaminhamento vai ser dado. Agora, se por um lado eu pude destacar dois aspectos que nos dão segurança, vale falar sobre as inseguranças, e as inseguranças me tocaram pessoalmente, porque a pandemia é universal. 

Eu sofri a aflição de não saber se eu também seria contaminado, a primeira vez que tive que ir à UFSC foi muito impactante […] porque a universidade não tem toda a estrutura que se imagina que ela tenha. Então, os gestores que estavam nos prédios metendo a mão na massa, foi com essas pessoas que eu me encontrei. Se, por um lado, eu fiquei muito inseguro em saber se ia dar conta, por outro lado, foi muito bonito ver a universidade criando outra relação, construindo uma outra aliança, se reconhecendo diferente, se reconhecendo de uma forma mais horizontal.

Você consegue notar, para além da rotina de trabalho, mas do ponto de vista do ambiente de gestão, o que a novidade da vacina está impactando ou pode impactar? Consegue vislumbrar o impacto disso para a gestão que vem pela frente? Poderíamos falar em uma transição ou é muito cedo?

Retomar as atividades presenciais exigirá muito mais planejamento e trabalho do que foi exigido para interrompê-las. A UFSC é uma comunidade de mais de 50 mil pessoas. Por exemplo, para a retomada de um semestre de ensino presencial ou intercalado, que é muito inviável, seria necessário estabelecer um vínculo de moradia, gestão de vida de cada uma dessas pessoas, entre os milhares de trabalhadores da universidade.

Evidente que nós preservamos os contratos de portaria, de vigilância, de limpeza, jardinagem, a UFSC permanece funcional, ela permitiria o retorno, mas ele não acontece tão facilmente assim. É preciso anunciar para essa comunidade com antecedência, pensando que os nossos calendários acadêmicos em regime semestral são muito fragmentados e curtos, anunciar algo assim no meio do semestre seria um desastre, sob meu ponto de vista.

De forma geral, qual a análise que você faz deste primeiro semestre de 2021 em termos da gestão e seus desafios?

A UFSC nunca parou, e isso é algo do qual devemos nos orgulhar muito. Alguns levantamentos preliminares realizados pela Pró-Reitoria de Graduação dão conta de registrar até mesmo um aumento no número de matrículas. No entanto, os efeitos mais abrangentes, não só da pandemia, mas também da crise econômica que afeta a universidade por meio de cortes orçamentários e a estudantes e futuros ingressantes, têm impactado na construção de projetos institucionais da UFSC e em projetos pessoais de seus estudantes. Afinal de contas, oferecer ensino de qualidade, público e gratuito, que integre atividades de ensino, pesquisa e extensão, exige investimento objetivo por meio de recursos financeiros e de um trabalho árduo de gestão e administração da UFSC. Do mesmo modo, é preciso um horizonte mais promissor na política nacional, que garanta aos estudantes as condições objetivas que lhes permitam desejar ingressar, poder permanecer e conseguir concluir um curso superior.

*Esta entrevista foi realizada em formato online, em janeiro de 2021 e atualizada em julho de 2021.