Direito à comunicação: em que pé estamos?

03/09/2021 18:42

Os meios digitais, a princípio mais democráticos, auxiliam o processo de democratização?

Texto por Barbara Popadiuk e Cristiane Dall Cortivo Lebler

Talvez você já tenha participado de alguma discussão sobre o direito à comunicação. Mas você sabe o que isso significa realmente? Para que pudéssemos entender as características desse debate, visitamos o artigo “Relatório Macbride: releitura à luz de ameaças ao direito à comunicação nas plataformas digitais, de Lilian Bartira Santos Silva, Carla Azevedo de Aragão e Nelson de Luca Pretto.

O texto propõe uma reflexão sobre o direito à comunicação e questiona se as novas tecnologias nos aproximam do acesso a esse direito. Anteriormente a essa questão, é importante pensarmos sobre o que compreende o direito à comunicação: ele visa a garantir que todo cidadão possa ter acesso a informação.

Nesse contexto, a Internet e as redes sociais promovem, a princípio, uma horizontalização de debates, notícias e comunicação em geral, o que certamente influenciaria a promoção do direito à comunicação. No entanto, os autores do artigo questionam essa suposição, já que são as grandes empresas proprietárias de plataformas de rede (como Google Facebook), bem como os conglomerados de mídia, que controlam informações e apresentam o Relatório Macbride como forma de ajudar a entender por que o direito à comunicação é importante para uma sociedade democrática.

Os autores do artigo relatam que, no Brasil, o direito à comunicação passou a ser reconhecido apenas em 2009, na terceira edição do Programa Nacional dos Direitos Humanos, e seu princípio basilar é “a regulação da mídia, o acesso e a democratização dos meios, espaços públicos de gestão e produção autônomas, pluralidade cultural e participação democrática” (SILVA, ARAGÃO E PRETTO, 2019, p.104).


Você conhece o Relatório MacBride? 

O Relatório foi feito pela UNESCO em 1980, e teve sua construção marcada pelas tensões da Guerra Fria, que dividia o mundo pós-guerra em dois blocos — um capitalista e outro socialista. Fruto de uma comissão composta por representantes de 16 países e de diferentes continentes, o documento defendia que “a comunicação deve pertencer à sociedade civil e não ao Estado ou ao mercado, apontando diretrizes que privilegiam o diálogo, a emancipação de todos os povos e a democracia” (SILVA, ARAGÃO E PRETTO, 2019, p. 101). Outro ponto importante trazido pelo documento é a caracterização da comunicação como um direito humano, individual e coletivo, imprescindível para a construção de uma sociedade democrática.


Baseando-se no Relatório MacBride, a possibilidade de comunicação é entendida como um direito básico. Isso envolve também outras questões sociais, como diferenças culturais, a distância geográfica entre os lugares, os interesses econômicos e políticos dos países etc. Toda essa bagagem complexifica a questão aqui pautada e aponta para a necessidade de um constante debate sobre o tema.

Se quisermos comparar com uma situação mais próxima, no Brasil, o direito à comunicação passou a ser reconhecido apenas em 2009, na terceira edição do Programa Nacional dos Direitos Humanos. Nele, vemos a menção ao direito de ser informado, mas também a necessidade de uma regulação da mídia e do acesso democrático aos meios. Mas por que tal reconhecimento ocorreu apenas em 2009? Os autores do artigo entendem que a existência dos oligopólios comunicacionais no país (como Grupo Globo, Bandeirantes e Folha) dificultam essas discussões, já que o tema pressupõe um enfrentamento à concentração de poder midiático.

O artigo mencionado no início deste texto transpõe essa questão para o mundo digital. Em um primeiro momento, o âmbito virtual seria o espaço em que a democratização estaria completa — pois seria possível o acesso igualitário a qualquer conteúdo. Entretanto, os autores percebem que as redes são compostas por complexos sistemas, algoritmos que influenciam aquilo que recebemos como conteúdo.  Para os autores, o uso do digital no dia a dia gera uma falsa impressão de que, atualmente, podemos ter acesso ao que desejamos sem influência dos próprios meios. Entretanto, a pesquisa indica interferências dos algoritmos na forma como nos relacionamos com o conteúdo, o que exemplifica-se com a existência de bolhas (ver glossário).

O texto que destacamos nesta edição nos instiga a refletirmos sobre a nossa relação com os meios e a nos questionarmos sobre a efetiva liberdade de acesso, considerando que somos influenciados em opiniões, consumos etc. e também na forma com que nos relacionamos com outras pessoas nos ambientes da internet. Nesse sentido, para pensarmos uma efetiva democratização informacional, não basta que os sujeitos tenham acesso à informação e liberdade de opinião e de expressão — isso os caracteriza meramente como receptores e criadores de conteúdo.

Para o usufruto pleno do direito ora debatido, é crucial que sejam elucidadas e reformuladas as condições de aplicação dos algoritmos e que as pesquisas e debates se façam permanentes, no sentido de viabilizar uma distribuição mais diversa das plataformas — diferentemente do que ocorre com os monopólios de empresas detentoras das redes atuais.

Não se pode perder de vista, portanto, que, apesar da hipotética horizontalização das narrativas informacionais, os meios pelos quais elas são difundidas estão revestidos de imposições advindas de determinantes mercadológicas, e que tais imposições, comumente despercebidas, permeiam nossas interações sociais, via plataformas, algoritmos e dataficação (ver glossário).

Com esta reflexão, percebemos, ainda, a importância de regulamentação dos meios para a democratização aqui debatida. Trata-se da necessidade de auxiliar a efetiva horizontalização da internet, visando a um caráter mais igualitário dos acessos e a uma menor concentração de poder midiático.

Glossário

Direito à comunicação – Entende-se como direito à comunicação entre indivíduos, encontros, debates, informar e ser informado.

Democratização da comunicação – O termo se complementa com o direito à comunicação. Determina que o acesso à comunicação seja democrático, ou seja, que possibilite o alcance da comunicação a todos, de forma igualitária. Define tanto o acesso quanto a produção da comunicação, em que grandes veículos devem equiparar-se a mídias alternativas no que tange à facilidade de acesso. 

Oligopólios/conglomerados de mídia – Define a concentração de meios de mídia (em qualquer formato) assumidos por uma família, pequeno grupo de pessoas ou por pequeno número de empresas.

Bolhas – Termo utilizado para se referir a filtros que os algoritmos selecionam para as relações nas redes sociais, de acordo com os gostos de seus usuários. Forma comunidades de um único pensamento.

Dataficação – Termo proposto por Mayer-Schoenberger e Cukier no ano de 2013. Designa o processo pelo qual diversas ações são rastreadas, quantificadas e transformadas em dados sistematizados, que poderão ser utilizados para múltiplos fins.


O tema te interessou? Quer ler mais sobre? Confere essas dicas que escolhemos para você:

VídeoDireito à Comunicação| Lei.A

Podcast: Direito à comunicação em tempos de pandemia (Podcast do canal no Spotify “Levante sua voz”)

TextoCaminhos para efetivar o direito humano à comunicaçãoLe Monde Diplomatique


Referência do artigo que embasou esta matéria: 

SANTOS SILVA, L. B.; AZEVEDO DE ARAGÃO, C.; DE LUCA PRETTO, N. Relatório Macbride: Releitura à luz de ameaças ao direito à comunicação nas plataformas digitais.: MacBride report: re-reading in light of threats to the right to communication on digital platforms. Ámbitos. Revista Internacional de Comunicación, [S. l.], n. 51, p. 98–115, 2021. DOI: 10.12795/Ambitos.2021.i51.07.

Sobre os autores do artigo:

Lilian – É jornalista, pesquisadora e educadora. Atualmente, doutoranda em Educação pela Universidade Federal da Bahia (UFBA). É mestre em Comunicação pela Universidade Federal do Ceará (UFC). Sua atuação na pesquisa relaciona a mídia com os processos educacionais.

Carla – Comunicadora e pesquisadora. Hoje é doutoranda em Educação pela Universidade Federal da Bahia (UFBA). É mestre em Desenvolvimento e Gestão Social, pelo Centro Interdisciplinar de Desenvolvimento e Gestão Social da UFBA (2011). Tem interesse na área de educação, jornalismo e direitos humanos. 

Nelson – Físico, professor e pesquisador. É professor da Faculdade de Educação da Universidade Federal da Bahia (UFBA). Fez mestrado em Educação na UFBA e concluiu o doutorado em Comunicação na USP. Tem pesquisas nas áreas de educação e comunicação, cibercultura e internet.